Desde pequena gosto de moda. De ver como as pessoas se vestem, de observar penteados (quando existem, porque hoje, a maioria das mulheres passa a chapinha e chama isso de penteado, minha avó fica louca com isso, rs!), de desenhar roupas em bonequinhos de papel que eu fazia representando pessoas e estilos, ver observar e sonhar com as roupas que apareciam em revistas que eu lia como a "Capricho". Ah, eu era louca por Paper Doll, sabe aqueles livrinhos? Pena que minha mãe comprava pouco. Ela devia ter mais com que gastar o dinheiro, obviamente, por isso, fazia meus desenhos.
Também recebia encomendas das vizinhas e amiguinhas e cheguei a ter uns 300 desenhos ou mais. Criava personagens e roupas, e só mais tarde, me dei conta de que esses desenhos, em sua maioria, representavam pessoas brancas. Estava reproduzindo o universo midiático que tinha acesso (Show da Xuxa, a tal revista etc.) e nem me dava conta. Era, como ainda o é, naturalizado só ver brancos na televisão e nas revistas. Depois que comecei a ver propagandas da Benetton que percebi que isso era meio estranho. Não havia esta discussão na minha casa e em local algum que eu frequentava. E parecia não ser um problema, entretanto, a falta de referências é um enorme problema sim. É bem triste, diga-se de passagem, é violento. Minha irmã e eu, me lembro bem disso, tínhamos visto uma modelo negra em um catálogo da Benetton e ela se tornou, por muito tempo, nossa referência de beleza, a que se parecia conosco.
Mas, voltando ao tema deste texto. Eu tinha e tenho algumas Barbies. Antes só tinha brancas até um namorado, comigo já na universidade, me presentear com uma Barbie black power e que era modelo por profissão (com maletinha de maquiagem e tudo). Eu adorei e comecei a procurar outras. Comprei toda a coleção da S.I.S., série especial de Chicago, lindas!!! Por sua vez, os cabelos desta coleção são todos bem compridos, não há produto de beleza que faça isso, minha gente! Vamos parar de querer aplicar cabelos de mulheres brancas nas mulheres negras para que elas se aproximem de um dado padrão de beleza e sensualidade. Puxa... Isso me entristeceu... Apesar de ser um passo.
Na Feira Preta, ocorrida no final de semana de 17 e 18 de dezembro, no Centro de Convenções da Imigrantes, fui convidada pelo Nabor Júnior, amigo e fundador da O Menelick 2ºato, revista da qual faço parte do conselho editorial e escrevo trimestralmente, para mediação da mesa "Moda AfroUrbeBrasileira", aprofundando as questões levantadas no texto que foi publicado na edição número 06 da revista, focando o trabalho do estilista, artista plástico Jaergenton. Além do "Tom", estava presente nesta mesa a estilista Tenka Dara que desenvolveu as peças de sua grife Baobá.
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O convite da excelente mesa redonda ocorrida na Feira Preta no dia 18, com a participação dos estilistas Jaergenton e Tenka Dara. |
A tentativa da mesa foi a de dialogar sobre a existência de uma possível moda no Brasil que se preocupa com conceitos que se aproximam da estética africana ou da afro-brasileira. Ou seja, onde possamos encontrar elementos que se remetam às tradições afro-brasileiras, sejam tendo o maracatu ou a capoeira como referências criativas, seja pensando na cidade e na cultura afro-urbana, por exemplo, o hip hop ou extintos bailes "black" como norteadores de um estilo.
Foi muito interessante notar como, de modo geral, a falta de referências positivas foi o que detonou o agente criativo no Tom e, de alguma forma, na Tenka, ainda que, no caso dela, pode-se perceber isso pelo nome da bela, a cultura africana e afro-brasileira fizeram parte de sua formação desde a infância. Assim, desde pequena, as suas trancinhas eram foco de estranhamento, mas também de admiração devido à originalidade e beleza das mesmas.
Não chegamos a nenhuma conclusão, porém, como bem lembrou Tom, é interessante observar que a Feira Preta, pela primeira vez, promoveu uma conversa significativa sobre moda e estética voltadas ao público afrodescendente no Brasil. Interessante porque esta edição já é a 10º. Por que, então, não se falou sobre isso até agora? Acredito que está na hora de ultrapassarmos a fase do estético, isto é, vamos nos sentir bonitos sim, valorizarmos o que a propaganda do xampu não valoriza, quando se mostram cabelos, no mínimo eles são cacheados, mas vamos expandir este auto-conhecimento. Desculpem, há uma variedade de negros, mas certamente, não são todos de cabelos cacheados como os de Taís Araujo. Falta a representação sim dos negros de cabelos crespos, narizes largos, bocas grandes, mulheres com sustância. Falta exibir e contemplar uma diversidade negra para além da cópia do modelo de negro belo importado dos Estados Unidos, onde, por exemplo, quase todas as cantoras que têm visibilidade na mídia, possuem cabelos colocados. Mcgray e Erikah Badu são exceções. São negras dos cabelos crespos.
Porém é hora de colocar alguma coisa dentro destas embalagens que são tão bonitas. Ontem vi tantos negros jovens lindos. Cada moça maravilhosa, cada homem "ulalá". Entretanto, o que vai nas cabecinhas deles? O que vai dentro das embalagens fantásticas? Nos fortalecemos e vemos que somos sim bonitos, que não precisamos seguir os modelos de beleza e de comportamento ditados pela novela, pelo seriado, todos brancos, todos tão distantes. São parcas, mas esta geração dos 20 anos já tem mais referências aqui no Brasil do que as que eu tive, por exemplo. Somos belos, mas, será que refletimos, que conversamos sobre este modelo de beleza negra, sobre a imagem que apresentamos à sociedade e sobre como impor as mesmas? Sobre como impor dreads e blacks em ambientes de trabalho, por exemplo? Ou seja, trazer a discussão para esta esfera e conscientizar o outro, não negro e até negros que não se sentem a vontade em suas peles de que não basta assumir uma estética para festa, para o evento, e que essa estética não é moda apenas. É a minha, a sua oportunidade de se apresentar à sociedade na qual vivemos que este é nosso rosto, nosso corpo, nosso cabelo, e que, infelizmente para quem acha feio e nos agride verbalmente nas ruas, ou para o empregador que quer a moça com cabelos presos, eu, talvez você, ou um amigo, somos assim, somos negros e estamos aprendendo a lidar esteticamente com as características de nosso corpo negro. Canela fina, barba rala, testa alta, narinas infladas, bundas salientes, barriguinha protuberante, dentes grandes, somos nós!
A Feira Preta é um ganho, é um presente da Adriana Barbosa para a população negra paulistana e para quem mais quiser vir e compartilhar anualmente pagando R$ 30,00 (caro!). É um espaço no qual somos Narcisos, achamos bonitos os nossos irmãos espelhos. Precisamos disso, de mais espaços espelhos. Todavia, precisamos muito de conhecimento, de diálogos que nos tragam reflexões sobre como lidar com este corpo, como não apresentá-lo como um modismo (reparem que toda a propaganda que possui muitas pessoas tem um negro ou negra de black, isso que a mídia faz, faz com que o público aceite, ou tolere, o negro nesta roupagem, neste formato, é pra pensar, e é sempre um negro ou negra...).
Pensei em ser estilista, fiz três anos de desenho de moda e adoro roupas, combinações. Mas, percebi um universo aparentemente fútil, apesar da própria moda como área de estudo não ser fútil e sim reflexo do seu tempo. Gosto da História da Moda. Estilistas, negros ou não, vamos estudar, vamos refletir sobre os impactos das tendências que vocês incorporam e que ecoam em suas produções. Vamos criar algo novo, mais a cara do Brasil e não da exceção do Brasil.
Fiquei pensando sobre a moda na arte e me vieram à cabeça estas referências. Quero destacar o fabuloso Barkley Hendricks e Mickalene Thomas, está última já apresentei aqui no blog. São artistas negros norte-americanos. Ele produziu nos anos de 1970 e ela está produzindo hoje, valorizando a beleza das mulheres negras. A moda mostra o espírito de uma época, com certeza, tanto ou mais que a arquitetura e que as demais manifestações estéticas, ela é um dado antropológico e social muito importante para se compreender uma cultura e uma época. Portanto, vamos pensar sobre esta moda afro-brasileira nascente, que não copia a África (eu sou brasileira), mas que não a esquece, que a possui uma gênese.
Vai aí um apanhado desta relação entre moda, arte e vida e pensamentos estéticos profundos como o do estilista Hundertwasser. São imagens provocadoras, lindas, chocantes, mas que demonstram que a estética não deve ser vazia, nem a nossa do dia a dia, nem a que se apresenta nos cruzamentos entre arte, etnicidade (ou identidade) e moda.
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Toulouse Lautrec foi cronista do modo de vida e do estilo das mulheres de lupanar que serviam os homens nos cabarés. |
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Emile Floge vestida em estilo Art Nouveau. Abaixo retrato dela pintado por Klimt. |
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Estudo para o "New Look" do artista Flávio de Carvalho. |
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"New Look" pronto para o uso. |
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Vestimenta concebida a partir da pesquisa de Hundertwasser. Há uma proximidade entre a ideologia dele e a do estilista e artista Jaergenton. |
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Mais um Parangolé. |
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As performances de Vanessa Beecroft são apaixonantes... |
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... intrigantes... |
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Mundo do trabalho... |
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... Mundo da sensualidade... |
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Uma releitura da tela de Edouard Manet (1832-1883), "Almoço na Relva". |
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Tecidos e padrões africanos como referências. |
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