Da série "Afro-Retratos" que estou desenvolvendo desde final de 2010 inspirada em mulheres de etnias angolanas. Leia o texto para saber mais sobre o motivo dele estar aqui... |
Após os anos como educadora, consultora e depois coordenadora no Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil, pude constatar que quando se trata de arte feita por artistas negros ou afrodescendentes, os curadores, a crítica e, talvez, o público, procuram por traços de uma certa "negritude" presente visualmente nas obras. Um momento gente, uma grande e longa pausa para reflexão... Arte tem como gênese o que mesmo? Visualidade e criação. Acredito que seja este binômio. O artista, independente de onde ele esteja cria algo para que vejamos, observemos. Isto sempre em primeiro lugar.
Por que é então que os artistas de pele escura têm, por missão, que tratar de suas raízes negras em suas obras com este viés que pode ser afirmativo (claro!), mas que, geralmente, é "folclorizador", "estereotipador" e por que não dizer "limitador" de suas capacidades e necessidades criativas? "Ah, sim, isso é arte 'afro-brasileira', observe o oxê de Xangô!"Ou ainda, "Sim, veja a arte 'negra' com búzios aplicados e uma geometria que se refere aos panos africanos!". Eu gosto de muitas destas obras. Os trabalhos de Mestre Didi, por exemplo, são belos, inegavelmente. São atávicos, nos remetem à uma ancestralidade mais imaginada do que real se pensarmos nos laços consanguíneos, na questão das origens geográficas, dos nomes das etnias de nossos antepassados, etc.
Mas, por que é que o artista negro não pode ter a liberdade para desvincular-se do tema da religiosidade afro-brasileira? Sim, ela é presente, forte e é um dos alicerces da cultura afro-brasileira. Melhor, brasileira, porque tem muita gente do santo que não tem coragem ou espaço para manifestar a sua afinidade religiosa. Por que temos que nos prender aos grilhões da visualidade negra que desejam de nós artistas negros, ou mesmos, pessoas negras expressemos via nossa produção ou nosso corpo?
Bem, nem só de acarajé vive a temática a bordada por alguns artistas. Há muitas e muitas maneiras de não se perder o vínculo com a sua identidade afrodescendente e com as questões que permeiam e invadem as nossas biografias e cotidianos sem que seja necessária a fusão "arte/ religiosidade". Eu defendo esta liberdade, este direito do artista ser uma Yêdamaria e pintar natureza morta, sim sinhô! Por que não? Em pleno século XXI.
Pesquisando para o sonho do doutorado e para uma aula que darei em breve para os 52 inscritos no curso promovido pelo Sr. Allan da Rosa, sempre investigando e propondo outras formas de se aprender e compartilhar a cultura brasileira, descentralizada e afrodescendente, tive contato com produções interessantíssimas de artistas negros e mestiços, daqui e de outros lugares, especialmente, os que se inserem no que chamamos de diáspora africana, a produção de descendentes de africanos feita fora da África, considerada a partir deste espalhamento de negros pelo mundo, principalmente, via tráfico negreiro.
Falar de si, desta cor que é amada e detestada, de como é acolhida ou não pelo mundo circundante nos corpos de homens e de mulheres, dos mecanismos de exclusão matematicamente calculados ao longos dos quinhentos anos de contato com o mundo ao qual chamamos ocidental e do qual somos crias, refleti sobre tais questões e outras mais complexas, tem sido o objetivo de muitos artistas. Colocar em dúvida, não aceitar, perturbar, cutucar, repelir, etc, são os verbos que podem ser agregados a estas ações de manifesto estético muito elaborados.
Os nomes seguem as imagens e não há títutlos, ano de produção das obras, técnica etc. É como um breve guia de nomes de pessoas que vem fazendo arte com temáticas relacionadas à história dos negros ou afrodescendentes no mundo, mas sem se ater à religiosidade. Vale muito a pesquisa e conhecimento destas figuras. Vale demais saudar esta liberdade de como duizer que se é negro ou afrodescendente orgulhoso de si e, nem por isso, menos propositivo ou questinador, perturbando consciências e paradigmas sedimentados a metal (espada, faca, bala, o que quiser!) e sangue.
A religiosidade foi nosso primeiro alicerce, marcador de nossa cor, história e cultura, mas não precisa ser o único e nem precisa estar sempre presente. Temos muito sobre o gritar já que uma imagem vale mais que 1000 palavras.
LIBERDADE PARA A ARTE!
- Curso "Teias da Expressão, Chamas da Reflexão: Artes Plásticas e Gráficas Africanas e Negro-Brasileiras", promovido pela Edições Totó e pela Prefeitura de São Paulo. As inscrições já estão encerradas, porém vale a pena fica de olho nos próximos cursos:
Artistas:
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Kehinde Wiley e suas rerpesentações de homens negros trajados ao estilo Hip Hop, porém sempre em poses que se remetem à tradição acadêmica do gênero retrato: Yo! |
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William Pope que realiza performances inacreditáveis. Aqui ele é quem? Esperamos que ele pare o trem. |
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Wangechi Mutu trabalha especialmente com colagens que de alguma forma se relacionam com a ideia de corpo da mulher negra, sempre deformado, sempre fora do padrão. |
Para saber mais:
- Rosana Paulino: http://rosanapaulino.blogspot.com/
- Tiago Gualberto: http://www.flickr.com/people/tiagogualberto/
- Revista "O Menelick 2º Ato", idealizada pelo estimado amigo e jornalista Nabor Júnior. Neste blog há textos sobre arte feitos pelo amigo, crítico e cientista social Alexandre Araujo Bispo e por mim:
Olá Renata, tudo bem?
ResponderExcluirNossa, pena que vc não recebeu meu convite! Mandei para vc, para o e-mail do Museu. Será que foi por isso?
Bom, seu comentário valeu a pena, pq descobri o seu blog! Quanta coisa para ler e apreciar! Agora que estou entrando num período pós-tese, vou aproveitar para ver com calma o que vc tem por aqui.
Bj grande,
Rosana Paulino
A cabeça pensante, o corpo produzindo, dedilhar de idéias, configura as minhas preces do ser e estar como melhor podemos e façamos juntos, pra "embelezar" no melhor estilo contemporâneo os nossos ouvidos e olhos comuns de lugares incomuns, da arte falada, pensada e executada com verdades soltas.
ResponderExcluirParabéns.
Rosana, mestra, vamos nos vendo pelos caminhos das artes, da educação da afrodescendência. Gostaria muito de ter acesso à sua tesse.
ResponderExcluirArê, a beleza mais fascinante é a de uma cabeça pensante em um mundo que nos dá tudo pronto!
beijos!
QUERO MUITO CONHECER ESTE MUNDO MARAVILHOOOOSO E NOVO BJUS E SUCESSO
ResponderExcluirEuse, maravilha, fico muito feliz com seu retorno! Quanto mais gente estiver interessada por esta produção, menos restrita ela será.
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