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sábado, 25 de agosto de 2012

Marilyn Monroe: a grande homenageada do mês!


Recebi a notícia da nova exposição do Museu Afro Brasil, que abriu no dia 07 de agosto, de minha amiga dançarina e antropóloga Luciane Ramos com muito espanto e decepção: "A sedução de Marilyn Monroe".
Pessoalmente não considero Marilyn (1926 - 1962) a grande atriz que a mídia deseja fixar em nossas mentes. E não acho que sua beleza seja fascinante, hipnotizante, única, dentre outros adjetivos um tanto hiperbólicos que são utilizados quando muitos se referem à sua figura.
Assisti alguns filmes nos quais ela contracena, como o delicioso "Quanto mais quente melhor" (1959), de Billy Wilder. Muito bom, muito engraçado e com atores maravilhosos no elenco como o Jack Lemon (1925 - 2001), que minha geração conheceu bem idoso e Tony Curtis (1925 - 2010). Coisa de cinéfilo. Ela estava muito bem no papel, neste filme engraçado que é uma comédia deliciosa do tipo que não vemos mais hoje em dia, com Malicia, entretanto, sem peitões balançando (acho que porque tinham aqueles sutiãs armaduras).
Certamente, o fato da loira ter falecido na flor da idade, aos 36 anos, e de forma trágica e inexplicável, como ocorreu com outros ícones da cultura pop como Jimi Hendrix (1942 – 1970), Janis Joplin (1943 - 1970), Elis Regina (1945 – 1982), dentre outros que faleceram nos últimos anos, fez com que sua perda se tornasse muito impactante, tendo em vista que era uma atriz famosa, com muitos fãs  e que ainda estava em atividade. Gostamos destas histórias trágicas. Se não gostamos, ao menos as alimentamos comprando livros, lendo notícias etc. Ou seja, fortalecendo e propagando o mito.
O Museu Afro Brasil, como diz o curador Sr. Emanoel Araujo, é, antes de tudo, um museu de arte. Só por esta definição ouvida durante os muitos anos nos quais trabalhei na instituição, já é possível notar a incoerência da exposição proposta que trata do fortalecimento da imagem de Marilyn Monroe com base na festejada sensualidade da atriz. Não são seus dotes dramáticos, portanto, artísticos, o foco deste acontecimento, mas sim o enaltecimento de sua figura como a da mulher fatal e irresistível. Não são os papéis interpretados por ela que são citados e apresentados aos visitantes, mais sim seus atributos físicos interpretados por vários artistas por meio de suas obras de arte.

Poderia aprofundar este texto apontando outros pontos desta incoerência, mas pensar neste museu como espaço de arte que homenageia uma mulher branca e loira por sua sensualidade e erotismo, já é o suficiente para percebemos como esta exposição está absolutamente deslocada.
Para além disso, é preciso lembrar que o Museu Afro Brasil foi aberto em 2004 sendo considerado uma ação afirmativa. Segundo documento elaborado por funcionários da instituição, o Museu Afro Brasil tem como missão e visão:

- Promover o reconhecimento, valorização e preservação do patrimônio cultural brasileiro, africano e afro-brasileiro e sua presença na cultura nacional.
- Ser instituição de referência em ações museais, unindo História, Memória, Arte e Contemporaneidade voltadas, prioritariamente, à cultura brasileira, africana e afro-brasileira.

Deste modo, me parece absolutamente fora de contexto a realização desta exposição em homenagem à diva platinada.
Fico aqui imaginando os professores que se preparam durante semanas ou meses, para conseguir levar seus alunos ao Museu Afro Brasil e, assim, ampliar os repertórios dos mesmos em relação à Lei 10.639/03; que com muita dificuldade conseguiram transporte, autorizações, por vezes, alimentação, para uma manhã ou tarde na qual seus estudantes se defrontariam com as imagens e biografias de personalidades basilares da história dos afrodescendentes em nosso país, para além dos outros aprendizados. 
Penso naqueles educadores que com muito custo, conseguiram demonstrar aos seus alunos que à despeito do que prega as várias mídias que exaltam constantemente o padrão branco como o ideal e único, que os negros e mestiços são diferentes deste padrão, e que reside nesta diferença as qualidades estéticas deste segmento étnico. Que sim, a pele escura, os narizes largos, os lábios maiores, os cabelos crespos, que todas estas características às quais chamamos de fenótipo, são belas se não tivermos como norteadoras as características do segmento branco.
Vislumbro estas crianças e adolescentes ansiosos por se depararem com as culturas africanas e afro-brasileiras: o que encontraremos neste Museu Afro Brasil? E, ao adentrar no espaço repleto de mistérios, porque os museus ainda representam um enigma para os que não o frequentam habitualmente, vêem várias obras de arte, representando Marilyn Monroe e, especialmente, preparadas para esta homenagem.

O que ocorre? Faltam mulheres negras que possam ser homenageadas e reverenciadas? Por que esta exposição não está em espaços mais adequados como o Museu da Imagem e do Som, o MIS?
Por que não Lélia Gonzalez (1935 – 1994), a primeira intelectual negra de nosso país? Ou ainda, Sueli Carneiro, filósofa e criadora da ONG Geledés? Ou Raquel Trindade, pesquisadora, pintora e dançarina, herdeira do Legado do poeta Solano Trindade? Por que essas dentre tantas outras figuras femininas negras não são temas de exposições na instituição? 
Por que ressaltar as qualidades sedutoras e Marilyn Monroe, colocando novamente as mulheres, de modo geral, no papel de objetos do desejo? 
Tenho pensando muito a que se presta esta exposição. Que o curador da instituição é um homem visionário, ousado, desafiador deste sistema que estagna isto é irrefutável. Entretanto, o que pretende com a polêmica exposição? O que ganhamos nós cidadãos, negros e brancos, com esta mostra em museu que pretende salvaguardar, propagar e visibilizar a história dos afrodescendentes em nosso país. História esta tão omitida, forjada e eclipsada...

E daí que o tatatatatatatavó de Marilyn Monroe fosse negro? Essa foi uma das explicações que ouvi por aí. Tsc, tsc, tsc, avançamos muito com a criação deste museu, sem dúvida que muitas exposições exemplares e fundamentais já passaram por este espaço, como Brasileiro, Brasileiros, O Benin está vivo ainda lá, entre outras, mas esta se mostra como um retrocesso: três passos para frente, dois para trás.

A filósofa Sueli Carneiro, em alguns de seus textos como "Enegrecendo Feminismo" e "Mulheres em Ação", realiza profundas críticas à exacerbada exposição de loiras em nossa sociedade. Acredito que suas palavras servem para complexizar a exposição citada, demonstrando que é uma homenagem um tanto inadequada se pensarmos no contexto brasileiro:

Nesse sentido, racismo também superlativa os gêneros por meio de privilégios que advêm da exploração e exclusão dos gêneros subalternos. Institui para os gêneros hegemônicos padrões que seriam inalcançáveis numa competição igualitária. A recorrência abusiva, a inflação de mulheres loiras, ou da “loirização”, na televisão brasileira, é um exemplo dessa disparidade.

E mais...

Em relação ao tópico da violência, as mulheres negras realçaram uma outra dimensão do problema. Tem-se reiterado que, para além da problemática da violência doméstica e sexual que atingem as mulheres de todos os grupos raciais e classes sociais, há uma forma específica de violência que constrange o direito à imagem ou a uma representação positiva, limita as possibilidades de encontro no mercado afetivo, inibe ou compromete o pleno exercício da sexualidade pelo peso dos estigmas seculares, cerceia o acesso ao trabalho, arrefece as aspirações e rebaixa a auto-estima.
Esses são os efeitos da hegemonia da “branquitude” no imaginário social e nas relações sociais concretas. É uma violência invisível que contrai saldos negativos para a subjetividade das mulheres negras, resvalando na afetividade e sexualidade destas. Tal dimensão da violência racial e as particularidades que ela assume em relação às mulheres dos grupos raciais não-hegemônicos vem despertando análises cuidadosas e recriação de práticas que se mostram capazes de construir outros referenciais.

Segundo Antonia Quintão, historiadora citada por Carneiro:

...a exclusão simbólica, a não-representação ou distorções da imagem da muher negra nos meios de comunicação são formas de violência tão dolorosas, cruéis e prejudiciais que poderiam ser tratadas no âmbito dos direitos humanos.


Nas palavras do curador:

A sedução de Marilyn Monroe

O Museu é um espaço de reflexão cultural, ele também exemplifica o modus operandi de uma sociedade, o significado social de um povo e sua visão estética. Esses são fatores pelo quais um povo sedimenta seus princípios civilizatórios.

A definição tipológica de um museu não o impossibilita nem pode ser entrave para as diversas discussões que essa própria sociedade repre
senta e apresenta.
Os museus, portanto, são espaços abertos como palco onde a cultura material e imaterial de um povo possa estar viva e latente, revivendo fatos e acontecimentos recentes ou passados da nossa memória e da nossa história.
A globalização nos absolveu do complexo de culpa, de poder olhar o mundo como coisa nossa, sendo assim a exposição sobre os cinquenta anos da morte da atriz norte-americana Marilyn Monroe e o drama de sua vida pertencem a todos como grande fenômeno pop do inconsciente coletivo nos quatro cantos do mundo.
Isso responde a todos aqueles que acham estranho essa exposição do Museu Afro Brasil.
Não quero pensar numa ponta de racismo em limitar os conteúdos das exposições aqui realizadas, elas são elucidativas para enriquecer as expressões de muitos povos como africanos, europeus, americanos, brasileiros, enfim, interessados na memória, na vida, na arte, na história em volta de nós.

Emanoel Araujo

Diretor Curador

Exposição "A Sedução de Marilyn Monroe" - Museu Afro Brasil

Horário de visitação: Ter/Dom - 10h às 17h
Entrada Gratuita.


Bem, não podemos ser escravizados por um "modus operandi" que tem por princípios implícitos justamente nos excluir e omitir a nossa importância para a história do Brasil e do mundo.
Você, que dedicou alguns minutos de seu dia para ler este texto que, talvez tenha agregado alguma reflexão ou informação nova, ou ainda, te fez pensar no quanto "eu" sou racista e reacionária por não compreender esta exposição tão inovadora neste museu maravilhoso e tão significativo para todos nós, brasileiros. Escreva aqui embaixo qual é a mulher negra, preferencialmente atriz, já que estamos a falar de atrizes, que você gostaria de ver numa exposição no MASP, o Museu de Arte de São Paulo, ou no MAM, o Museu de Arte Moderna de São Paulo. 

Aqui vão as minhas indicações e palavras finais: chega de rosnar e depois dar a patinha.
P.s.: se você não conhece nenhuma atriz negra brasileira ou não que poderia ser homenageada, compre e leia, ou apenas consulte Mulheres Negras do Brasil, de Érico Vital Brazil e Schuma Schumaher, da Editora Senac, publicado em 2007.

Josephine Baker (1906 - 1975), a primeira grande diva negra dos espetáculos e cinema. Nascida nos Estados Unidos, fez sua carreira de cantora e atriz na França. Dizem que ela usava suco de limão para clarear a pele. Independente disso, era muito corajosa e talentosa. Afinal de contas, a Beyoncé clareia a pela hoje em dia, mesmo com a consciência de sua negritude.
Dorothy Dandridge (1922 - 1965), primeira atriz negra norte-americana a ser indicada para o Oscar por sua atuação em "Carmem Jones", musical de 1959. A linda Halle Berry a interpretou em filme que leva seu nome. Se não viu, veja. 
Ruth de Souza, uma das fundadoras do Teatro Experimental do Negro, junto com Léa Garcia e Abdias do Nascimento  (1914 - 2011). Uma das atrizes mais importantes do nosso país tendo realizado muitas novelas, filmes e peças teatrais. Seria interessante uma exposição mega para homenagear esta grande atriz ainda em vida.
Sempre achei que a minha mãe se parece muito com a Chica Xavier. Pena que só a vemos em novelas de época, ainda que ela tenha feito muito cinema também. Agora ela simplesmente desapareceu das telas da televisão.
Léa Garcia, a encontrei no Rio de Janeiro em maio, linda e elegante. Outra fundadora do Teatro Experimental do Negro.
Dhu Moraes, que atua, canta e dança, ela era do grupos "As Frenéticas" que eu adorava. Ainda atua em novelas e esta nesta novela das sete daquela emissora que gostava de reiterar, de tempos em tempos, o lugar dos negros nesta sociedade.
Maria Dealves, linda, sensual e excelente atriz. Também sumida das telas.
A linda e talentosa Zezé Motta, referência de uma geração de atrizes que viu que ser negra do cabelo crespo e atriz ainda é possível. Xica da Silva marcou a sua carreira. Ela ainda por cima é cantora. Salve, Zezé!
A ex-mulata do Sargentelli (1924 - 2002), Solange Couto, exuberante e muito boa atriz que marcou seu retorno às novelas com a personagem Dona Jura: "não é brinquedo, não!".