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quinta-feira, 31 de março de 2011

Cola lá na Goma: desdobramentos em ações no VAI 2011

Nasci na Zona Norte, local que meus parentes diziam ser reduto da "negrada". Mais tarde fui percebendo o quanto a população negra, de fato, marca esta Zona da Cidade de forma muito característica: samba, suor e cerveja (mesmo!). Dos fundos da casa da minha avó Alba no Mandaqui nos mudamos para o fim de mundo: Conjunto Habitacional José Bonifácio! Meus pais, eu e minha irmã e meu irmão Juninho na barriga. Tudo era longe e estação de metrô mais próxima era a Belém.
Infância: parquinhos com tanques de areia, brinquedos que sempre quebravam devido ao vandalismo das crianças mais velhas, mato, terrenos baldios, barro branco, bicicleta, quadra poliesportiva abandonada pela prefeitura e as outras brincadeiras que costumávamos fazer. Ainda bem que eu era uma criança com bastante imaginação e que conseguia juntar uma meninada também porque os adultos do prédio onde eu morava não promoviam nada. Nada...
Só fui me dar conta da pobreza de aparelhos públicos na região quando, após estudar a vida inteira lá, fui parar na ETEC Carlos de Campos (Brás: era chavão dizer "Vai morrer no Brás!", nos anos de 1990). Nesta escola deparei-me com muitas novidades, porém, seguem as piores (e marcantes): "existe gente rica de verdade (!)"; "agora eu sei o que é ser classe média (não era eu, claro!)"; "há pessoas que optam por serem racistas e preconceituosas sim"; "as pessoas não conhecem de onde venho, porém possuem opiniões formadas sobre uma COHAB!" 

"Tem só bandido!"; "Só maloqueiro!" etc., etc., eram algumas das falas que ouvia com muita chateação: meus pais não eram bandidos, sequer eu conhecia algum e meus vizinhos e ninguém ao meu redor era maloqueiro. Em um determinado momento eu me sentia constrangida por viver neste lugar, como se a maioria das pessoas neste país pudessem escolher onde viver. Não, esta escolha não é possível a todos!

Na universidade, a história pouco mudou. E anos depois decidi realizar o registro fotográfico "Cola lá na goma", em 2003 a partir de imagens de lugares onde eu brincava, por onde passava a feira, onde fiz catequese, meninos empinando pipa, jogando futebol pessoas bebendo nos bares, coisas deste e de muitos bairros e que não refletiam a marginalidade associada à Itaquera e região. Pra dizer a verdade, a primeira vez que vi uma pessoaarmada foi aos 22 anos e eu morava no Ipiranga, estava em um ônibus na Vila Mariana voltando para casa após um longo dia de pé mediando exposições. Em Itaquera eu nunca tinha visto uma arma ou uma pessoa morta por tiro.

As imagens que registrei foram fotocopiadas e coladas em bairros "nobres" da capital como a Vila Mariana. A ideia central: "se você fala da goma e não cola nela, ela cola aqui!"Nas tardes da semana, na noite, fui colando estas imagens. Fui selecionada para expor na CEMIG em Minas Gerais, o trabalho foi... E, agora, VAI! Redigi um projeto no qual espero apresentar melhor o Conjunto HabitacionalJosé Bonifácio aos seus habitantes a partir da observação de suas construções e geografias, da história e da arte. Convidei meus queridos irmãos Edson e Marcos Vinicius, os grandes amigos e parceiros Alexandre Bispo e Paola Cavallari, sempre preocupados com o mundo circundante e com a vida que as pessoas levam nele, além de duas pessoas ainda sondadas. Queremos com "Artistas Viajantes de nosso Goma" apresentar este lugar a quem nele vive sob outra perspectiva: a da informação e da criação! Saber, por exemplo, em que contexto que este bairro-dormitório surgiu; como ele se aparelhou aos poucos (falta demais ainda!); que construções são relevantes etc., tendo como linguagem a palavra e a visualidade.

Ficamos muitos contentes com esta contemplação e esperamos que este trabalho transforme a consciência das pessoas "cohabeiras": as transformações partem de dentro e este é o pontapé inicial!

Oito anos depois, "Cola lá na Goma!" rende frutos e registrarei outras periferias que estou conhecendo a partir do contato com gente fina, inteligente e sincera com quem tenho conversado, rido  dançado como Zinho e Manoel Trindade, Allan da Rosa, Rafael Franja; as companhias de teatro As Capulanas, Os Crespos, Clariô, Sarau do Binho, gentes e locais que eu não conhecia e que me alimentam direta ou indiretamente no sentido de se pensar as multiplicidades de mundo que existem na capital paulistana e como trazer, compartilhar e instigar arte, cultura e conhecimento (direito de todos) para quem é "maloqueiro".

P.S.: Maloca é um tipo de cabana comunitária utilizada pelos nativos da região amazônica, notadamente na Colômbia e Brasil. Cada tribo tinha sua própria espécie de maloca, com características únicas que ajudavam a distinguir um povo do outro (creio ser maloqueira, quero estar em grupo, com pessoas de onde for!).

Algumas imagens:










Um comentário:

  1. rê, lindo texto. linda iniciativa. a cidade precisa ser desvendada! parabéns!

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