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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Arte de matriz africana na sala de aula - SESC Sorocaba

Depois da oficina que ministrei no SESC Sorocaba em 24 de maio deste ano, com foco na Lei 10.639 e as suas possibilidades em sala de aula, para 100 coordenadores de escolas, fui convidada a dar continuidade a este trabalho. Entretanto, agora o tema foi a cultura popular de matriz africana.

Após muita leitura e pesquisa, sendo a pessoa humilde que sou que não tem problemas em afirmar "só sei que nada sei", convidei o historiador Marcos Vinicius Felinto (o sobrenome não é mera semelhança) e o percussionista Manoel Trindade para compor a palestra com oficina comigo. O primeiro tem estudado as influências da musicalidade africana nas músicas entoadas e executadas nas festas populares brasileiras. Este é só dos assuntos que ele estuda (ele produz e grava CDS de música inteiros no quarto!). O segundo, além de ser um supermusicista, tem experiência e vivência (quase atávica), com a cultura popular, neste caso, com destaque para o Maracatu de baque virado.

Sexta pela manhã. Arrumamos tudo e seguimos para Sorocaba às 06h da matina. Sol nascente, dia quente pela frente, nos perdemos na chegada à cidade e conseguimos encontrar o local onde seria ministrada a oficina pedagógica da Diretoria de Ensino de Sorocaba em parceria com o SESC.

Cada vez mais vejo o quanto vale a pena dedicar-se ao que se gosta e se acredita de verdade. Eu acredito no potencial transformador da arte, da cultura, do conhecimento, das vivências, da troca, do saber dizer e se colocar a ouvir.

Dos 100 professores de artes convidados, estavam presentes 65. Já é um número considerável. A parte da manhã foi dedicada a uma apresentação que é fundamental, dentre outros tópicos: que africanos são estes trazidos para o Brasil? Que sabiam? De onde vieram? Para onde foram?

Estas informações são básicas para quem estuda o assunto e imprescindíveis para quem deseja planejar uma aula e ensina. Depois falamos sobre a introdução do culto aos santos negros no Brasil; das festas católicas como espaço de socialização, lazer e recriação; do sincretismo religioso; das irmandades dedicadas a santos negros; das festas sagradas que se profanizaram; da musicalidade e dos instrumentos de origem africana introduzidos e recriados ou adaptados no Brasil; das relações entre jongo e funk ou entre maxixe e o samba; enfim, assunto é o que não falta.

As muitas palestras, cursos e oficinas acerca desta temática que têm sido organizados cada vez mais intensamente, parecem, para alguns, um massacre, chegamos a ouvir algo assim que foi um "desabafo" de um professor compartilhado com um dos organizadores. Engraçado, não passa pela cabeça de uma pessoa destas que é um massacre também ser negro e ser violentado pela invisibilidade, omissão, negação etc.?

Bem, a tarde preparamos três oficinas: cortejo de Maracatu e construção de adereços; musicalização e construção de instrumentos; festas populares e festas de família nas expressões bidimensionais. Os professores acabaram fazendo as oficinas que mais lhes interessavam, o que é muito bom, pois cada um pôde se preocupar com as suas próprias ausências e preenchê-las via estas breves ações. Preencher bem pouquinho.


O início de tudo, olhares atentos.


Uma breve introdução sobre países africanos que possuem relações de imigração com o Brasil. É fundamental situar estas questões que geram muitas dúvidas.


Um público mais específico de artes, professores que trabalham com várias linguagens.

Calunga produzida pela amiga Ariane. Como toda Calunga tem um nome, apresentamos a Sarah Rute.
As pessoas estavam absolutamente imersas nas ações e tivemos resultados lindos.

Do cortejo onde todo mundo se solta, onde professores viram reis e rainhas de mentirinha, se aprende a mover o corpo de uma maneira nova, onde o grupo se identifca por meio da construção de um estandarte...


Manoel Trindade mostrando aos participantes da oficina 1 como se dança maracatu de baque virado.

Enquanto alguns dançavam e se soltavam ...

Outros produziam os adereços como buquê, coroa ...

... estandarte...

Se preparavam para o cortejo: rei e rainha.




Todos entraram no clima da vivência que tem por objetivo apresentar manifestações, expressões e elementos, é mostrar parte da cultura popular de forma lúdica, a partir do fazer.


... Aos tambores que têm suas construções desvendadas por meio de uma atividade simples, lúdica, repleta de som, onde se percebe a força dos "tum-tuns" e "tam-tans", quase brincando, mas seriamente saudando São Benedito...


Na oficina 2, a de musicalização e construção de instrumentos, os professores se divertiam decorando os seus objetos.

Muitos ficaram lindos!.

Marcos Vinicius apresentou o processo e seus objetivos..

Depois o pessoal preparou uma saudação para São Benedito, dá uma espiada do vídeo aí embaixo... lindo demais!

... Oi ainda, rememorando lembranças de festas populares presenciadas nas infâncias, onde santos, brilho, música, canto, dança, comida e fervor se misturavam em um sentimento único de pertencimento e êxtase!


Na oficina de festas populares, memórias foram acionadas: qual a festa popular de que você mais gostava de participar? Que elementos que chamavam a sua atenção?

O auto do boi e o Maracatu.

O circo: uma festa itinerante.



A festa de N. S. dos Navegantes de Bom Jesus do Pirapora.

Alguém resolveu brincar com a tridimensionalidade em papel.

Todas as produções expostas: curadoria dos professores!.
Tem melhor coisa que sair de um trabalho exausto, porém com sentimento de completude?

Que bom! Ariane Neves, grata pela Calunga Sarah Rute. Todos se emocionaram com a história desta amiga que se foi em carne, que me ensinou a valorizar a cultura popular de matriz africana e que vive, de alguma forma, na boneca elaborada pela amiga Arê.

Segue a bibliografia básica que utilizamos e esperamos que estas experiências se repliquem em salas de aulas Brasil afora. Que negrinhos e negrinhas não sintam-se envergonhados em dançar coco ou maracatu; em rezar para Iemanjá ou Santa Efigênia; que comam acarajé e caruru lambendo os dedinhos ao som de Rappin Hood ou de Samba de Chula e achando lindas as pinturas de Sérigo Vidal e de Heitor dos Prazeres.

Ah, nós que agradecemos!


Bibliografia

http://www.comciencia.br/reportagens/negros acesso em 05 ago.2008.
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MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2007.
RIBEIRO, Darcy.  Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companha das Letras, 1995.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. Publifolha, 2001. (Série Folha Explica).
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SANTOS, Luiz Carlos dos (Organização e apresentação). Antologia da poesia negra brasileira: o negro em versos. São Paulo: Moderna, 2005.
SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
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SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de Ferro: os ferreiros na África Central no século XIX. São Paulo: Alameda, 2011.


Um comentário:

  1. Poxa Renata que legal. Fico feliz pelo trabalho de vocês. Que tenham conseguido multiplicar!!!

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