Depois da oficina que ministrei no SESC Sorocaba em 24 de maio deste ano, com foco na Lei 10.639 e as suas possibilidades em sala de aula, para 100 coordenadores de escolas, fui convidada a dar continuidade a este trabalho. Entretanto, agora o tema foi a cultura popular de matriz africana.
Após muita leitura e pesquisa, sendo a pessoa humilde que sou que não tem problemas em afirmar "só sei que nada sei", convidei o historiador Marcos Vinicius Felinto (o sobrenome não é mera semelhança) e o percussionista Manoel Trindade para compor a palestra com oficina comigo. O primeiro tem estudado as influências da musicalidade africana nas músicas entoadas e executadas nas festas populares brasileiras. Este é só dos assuntos que ele estuda (ele produz e grava CDS de música inteiros no quarto!). O segundo, além de ser um supermusicista, tem experiência e vivência (quase atávica), com a cultura popular, neste caso, com destaque para o Maracatu de baque virado.
Sexta pela manhã. Arrumamos tudo e seguimos para Sorocaba às 06h da matina. Sol nascente, dia quente pela frente, nos perdemos na chegada à cidade e conseguimos encontrar o local onde seria ministrada a oficina pedagógica da Diretoria de Ensino de Sorocaba em parceria com o SESC.
Cada vez mais vejo o quanto vale a pena dedicar-se ao que se gosta e se acredita de verdade. Eu acredito no potencial transformador da arte, da cultura, do conhecimento, das vivências, da troca, do saber dizer e se colocar a ouvir.
Dos 100 professores de artes convidados, estavam presentes 65. Já é um número considerável. A parte da manhã foi dedicada a uma apresentação que é fundamental, dentre outros tópicos: que africanos são estes trazidos para o Brasil? Que sabiam? De onde vieram? Para onde foram?
Estas informações são básicas para quem estuda o assunto e imprescindíveis para quem deseja planejar uma aula e ensina. Depois falamos sobre a introdução do culto aos santos negros no Brasil; das festas católicas como espaço de socialização, lazer e recriação; do sincretismo religioso; das irmandades dedicadas a santos negros; das festas sagradas que se profanizaram; da musicalidade e dos instrumentos de origem africana introduzidos e recriados ou adaptados no Brasil; das relações entre jongo e funk ou entre maxixe e o samba; enfim, assunto é o que não falta.
As muitas palestras, cursos e oficinas acerca desta temática que têm sido organizados cada vez mais intensamente, parecem, para alguns, um massacre, chegamos a ouvir algo assim que foi um "desabafo" de um professor compartilhado com um dos organizadores. Engraçado, não passa pela cabeça de uma pessoa destas que é um massacre também ser negro e ser violentado pela invisibilidade, omissão, negação etc.?
Bem, a tarde preparamos três oficinas: cortejo de Maracatu e construção de adereços; musicalização e construção de instrumentos; festas populares e festas de família nas expressões bidimensionais. Os professores acabaram fazendo as oficinas que mais lhes interessavam, o que é muito bom, pois cada um pôde se preocupar com as suas próprias ausências e preenchê-las via estas breves ações. Preencher bem pouquinho.
O início de tudo, olhares atentos. |
Uma breve introdução sobre países africanos que possuem relações de imigração com o Brasil. É fundamental situar estas questões que geram muitas dúvidas. |
Um público mais específico de artes, professores que trabalham com várias linguagens. |
Calunga produzida pela amiga Ariane. Como toda Calunga tem um nome, apresentamos a Sarah Rute. |
As pessoas estavam absolutamente imersas nas ações e tivemos resultados lindos.
Do cortejo onde todo mundo se solta, onde professores viram reis e rainhas de mentirinha, se aprende a mover o corpo de uma maneira nova, onde o grupo se identifca por meio da construção de um estandarte...
Manoel Trindade mostrando aos participantes da oficina 1 como se dança maracatu de baque virado. |
Enquanto alguns dançavam e se soltavam ... |
Outros produziam os adereços como buquê, coroa ... |
... estandarte... |
Se preparavam para o cortejo: rei e rainha. |
Todos entraram no clima da vivência que tem por objetivo apresentar manifestações, expressões e elementos, é mostrar parte da cultura popular de forma lúdica, a partir do fazer. |
... Aos tambores que têm suas construções desvendadas por meio de uma atividade simples, lúdica, repleta de som, onde se percebe a força dos "tum-tuns" e "tam-tans", quase brincando, mas seriamente saudando São Benedito...
Na oficina 2, a de musicalização e construção de instrumentos, os professores se divertiam decorando os seus objetos. |
Muitos ficaram lindos!. |
Marcos Vinicius apresentou o processo e seus objetivos.. |
Depois o pessoal preparou uma saudação para São Benedito, dá uma espiada do vídeo aí embaixo... lindo demais! |
... Oi ainda, rememorando lembranças de festas populares presenciadas nas infâncias, onde santos, brilho, música, canto, dança, comida e fervor se misturavam em um sentimento único de pertencimento e êxtase!
Na oficina de festas populares, memórias foram acionadas: qual a festa popular de que você mais gostava de participar? Que elementos que chamavam a sua atenção? |
O auto do boi e o Maracatu. |
O circo: uma festa itinerante. |
A festa de N. S. dos Navegantes de Bom Jesus do Pirapora. |
Alguém resolveu brincar com a tridimensionalidade em papel. |
Todas as produções expostas: curadoria dos professores!. |
Tem melhor coisa que sair de um trabalho exausto, porém com sentimento de completude?
Que bom! Ariane Neves, grata pela Calunga Sarah Rute. Todos se emocionaram com a história desta amiga que se foi em carne, que me ensinou a valorizar a cultura popular de matriz africana e que vive, de alguma forma, na boneca elaborada pela amiga Arê.
Segue a bibliografia básica que utilizamos e esperamos que estas experiências se repliquem em salas de aulas Brasil afora. Que negrinhos e negrinhas não sintam-se envergonhados em dançar coco ou maracatu; em rezar para Iemanjá ou Santa Efigênia; que comam acarajé e caruru lambendo os dedinhos ao som de Rappin Hood ou de Samba de Chula e achando lindas as pinturas de Sérigo Vidal e de Heitor dos Prazeres.
Ah, nós que agradecemos!
Bibliografia
http://www.comciencia.br/reportagens/negros acesso em 05 ago.2008.
AGUILAR, Nelson (Org.). Arte Afro-brasileira. (catálogo da exposição). Mostra do Redescobrimento: Associação Brasil+500 anos Artes Visuais, 2000.
AMARAL, Aracy A. Arte para quê: a preocupação social na arte brasileira, 1930-1970: subsídios para uma história social de arte no Brasil. 3. Ed. São Paulo: Studio Nobel, 2003.
ARAÚJO, Emanoel. A mão afro-brasileira: significado de sua contribuição artística e histórica (catálogo da exposição). São Paulo: Tenenge, 1988.
BARBIERI, Renato. Na rota dos orixás (fita de vídeo - VHS). Aspectos da Cultura Brasileira. São Paulo: Idealização e Realização Instituto Itaú Cultural, 1998.
BARJA, Wagner; FONTELES, Bené (Org.). Rubem Valentim: artista da luz (catálogo de exposição). São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2001.
COCCHIARALE, Fernando. Panorama de arte atual brasileira/ 97. São Paulo: MAM, 1997, p. 114.
CONDURU, Roberto. Arte Afro-brasileira. Belo Horizonte: C/ Arte, 2007.
CUNHA, Mariano Carneiro. Arte afro-brasileira. In: Zanine, Walter (org.). História Geral da arte no Brasil. São Paulo, Instituto Moreira Salles, 1983.
FERREIRA, Ricardo Franklin. Afrodescendente: uma identidade em construção. São Paulo: Edusp, 2000.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2001.
LODY, Raul. Santo também come. Rio de Janeiro: Pallas, 1998.
MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2007.
RIBEIRO, Darcy. Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companha das Letras, 1995.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. Publifolha, 2001. (Série Folha Explica).
______. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Santos, Gislene Aparecida dos. Coleção Percepções da Diferença: Negros e Brancos na Sala de Aula. São Paulo: Terceira Margem, 2009. (10 volumes).
SANTOS, Luiz Carlos dos (Organização e apresentação). Antologia da poesia negra brasileira: o negro em versos. São Paulo: Moderna, 2005.
SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
SILVA, Dilma de Melo. Arte africana e afro-brasileira/ Dilma de Melo e Silva e Maria Cecília Félix Calaça. São Paulo: Terceira Margem, 2006.
SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de Ferro: os ferreiros na África Central no século XIX. São Paulo: Alameda, 2011.
Poxa Renata que legal. Fico feliz pelo trabalho de vocês. Que tenham conseguido multiplicar!!!
ResponderExcluir